segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Texto 3 sobre a era digital

A era da liquidez
            Com a chegada das novas tecnologias, o estado da sociedade moderna passa a ser caracterizado como líquido na linguagem, nas relações, no consumo, dente outras coisas. Zigmund Bauman, autor polonês utilizado por Santaella (2007) no livro Linguagens Líquidas na era da mobilidade, define os líquidos como fluidos. Para o autor
“os líquidos se movem facilmente. Eles fluem, escorrem, esvaem-se, respingam, transbordam, vazam, inundam, borrifam, pingam, são filtrados, destilados; diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos – contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho. [...] A extraordinária mobilidade dos fluidos é o que se associa a idéia de leveza (Bauman, 2001, p. 8, in Santaella, 2007, p. 14).
            Para Santaella, “os líquidos são uma variedade de fluidos [...] Não fixam o espaço e não prendem o tempo. Não se atêm a nenhuma forma e estão constantemente prontos e propensos a mudá-la, em um espaço que, afinal, preenchem tão só por um momento” (Santaella 2007, p.14). Vamos falar primeiro dos conceitos de modernidade sólida e pesada de Bauman, para depois definirmos modernidade líquida e a liquidez da linguagem e de outras práticas da sociedade, neste caso, chamada de pós-moderna.
            Segundo Bauman (2001), em seu livro Modenidade Líquida, a modernidade pesada faz parte da era do hardware, uma modernidade obcecada pelo volume, “uma modernidade do tipo “quanto maior, melhor”, “tamanho é poder, volume é sucesso”. Essa foi a era do hardware, a época das máquinas pesadas [...] A conquista do espaço era o objetivo supremo” (Bauman, 2001, p.132). O autor coloca que “a modernidade pesada foi a era da conquista territorial”. Neste caso, a modernidade tende a ser lenta, pois depende do tamanho e qualidade do hardware, e o progresso estava diretamente ligado a expansão espacial.
            Quando passamos a modernidade leve, característica da era dos softwares – vale destacar a definição pura de hard /duro e soft / leve, ambas no sentido literal – o que antes tornava o emprego preso ao solo, acorrentando o capital, agora pode ser solto e flutuar de acordo com o fluxo.
“A mudança em questão é a nova irrelevância do espaço, disfarçada de aniquilação do tempo. No universo de software da viagem à velocidade da luz, o espaço pode ser atravessado, literalmente, em “tempo nenhum”; cancela-se a diferença entre “longe” e “aqui”. O espaço não impõe mais limites à ação e seus efeitos, e conta pouco, ou nem conta. Perdeu seu “valor estratégico”, diriam os especialistas militares (Bauman, 2001, p. 136).
            Na era do software, o que é preciso é que o tempo tenha eficácia, pois podemos estar em qualquer lugar a qualquer hora. Bauman, um pouco diferente de Santaella, analisa as conseqüências da pós-modernidade de maneira mais equilibrada, pontuando positivos e negativos continuamente, e caracteriza o tempo instantâneo como realização imediata, mas que corre riscos de exaustão e desaparecimento do interesse. A idéia de aprisionamento no espaço dos indivíduos da modernidade pesada, onde os que mandavam e os que obedeciam estavam preços, agora dá espaço para um desses indivíduos sair da “gaiola”. Agora os que mandam saem da gaiola.
            Não só os indivíduos passam a não ser presos ao espaço, como o capital, que pode viajar e ir onde quiser. Tamanho e volume passam a ser risco. Mas Bauman define o lado negativo de tanta instantaneidade. Hoje o capital pode abrigar-se em diversos lugares, tem maior possibilidade de permutação, mas também adquire facilidade de lavar as mãos de consequências devastadoras de sucessivas rodadas de redução de tamanho. E não só o capital sofre consequências negativas, mas os trabalhadores também, com a necessidade de redução dos setores e, seguido a isso, redução da quantidade de pessoas. O emprego também, que não se aprisiona ao espaço mais, também tende a ser fluido, os encontros de negócios mais rápidos e instantâneos, o que não permite um contato maior entre os indivíduos.
            Outro fator que é alterado na era digital, era da mobilidade, como queiramos chamar, é o que chamamos de relacionamento e o sentimento do amor. Para Bauman, no livro Amor Líquido, “Numa época em que o “longo prazo” é cada vez mais curto, ainda assim a velocidade de maturação do desejo resiste de modo obstinado à aceleração. O tempo necessário para o investimento no cultivo do desejo dar lucros para cada vez mais longo – irritante e insustentavelmente longos” (Bauman, 2004, p. 26). A idéia do amor na atual era do amor líquido se confunde com o desejo. Bauman coloca o amor como algo que exige luta, paciência e atitudes constantes e que hoje é substituído pelas relações de bolso, que você pode lançar mão quando for preciso. Bauman, neste livro, demonstra que o amor duradouro não é uma característica da era da mobilidade, e como o amor dá trabalho, é mais fácil se deixar aberto a novas possibilidades.
            A duração na era da mobilidade, segundo Bauman, deixa de ser um recurso e passa a ser um risco, ela e tudo que impede ou restringe o movimento. “O advento da instantaneidade conduz a cultura e a ética humanas a um território não-mapeado e inexplorado, onde a maioria dos hábitos aprendidos para lidar com os afazeres da vida, perdeu sua utilidade” (Bauman, 2001, p. 149). Mas Bauman afirma que, assim como antes, “a memória do passado e a confiança no futuro foram dois pilares em que se apoiavam as pontes culturais e morais entre a transitoriedade e a durabilidade [...] (Bauman, 20014, p. 149). Ou seja, embora a liquidez traga consequências preocupantes se tratando da superficialidade, é importante que os indivíduos pós-humanos considerem o que já foi vivido, e assim será possível que a sociedade se equilibre na era da mobilidade e em qualquer outra era posterior.
            Santaella define essa sociedade moderna como incapaz de manter as formas. Na sociedade moderna, existia a tentativa mudar os conceitos de cultura e sociedade, recolocando os conceitos em outras definições, mas a idéia era justamente fixar esses conceitos de modernidade e torná-los tradição e padrão. Bem diferente da pós-modernidade, onde os conceitos não se fixam, eles simplesmente são transformados de acordo com a fluidez da sociedade. O mundo do pós-humano caracteriza-se justamente pela fuga das moradas, dos territórios, das linhas e dos espaços, dos corpos, dos afetos e das intensidades.
“De resto, a instabilidade tende a crescer quando aqueles que estão estudando a cultura da mobilidade, fruto das mídias de comunicação sem fio, móveis, hoje, falam em presença mediada, telepresença, presença ausente, distância virtual, ubiquidade, todas elas expressões que colocam em questão antigas certezas sobre a nossa corporeidade” (Santaella, 2007, p. 18).
            Santaella cita um autor chamado Peter Sloterdijk (2004) e sua obra Espumas. Ele define as manifestações contemporâneas da globalização como míopes, deixando de ver que a globalização já começou com os gregos, na geometrização do céu e na representação do universo por meio da imagem da esfera. O autor explica que a sociedade – para o autor uma palavra gasta, e os conceitos e as lógicas tradicionais, são desenvolvidos para um mundo de substâncias pesadas e sólidas e, por isso, incapazes de expressar as experiências em um mundo de leveza e relações, em um mundo de mobilidade e desprendimento das cargas. A era da mobilidade redefine, mesmo que redefina qualquer conceito com facilidade, linguagem, práticas culturais e sociedade.
            A linguagem líquida, para Santaella, são invisíveis no ciberespaço e todos os tipos de linguagem entram na dança da instabilidade. Segundo a autora, “texto imagem e som já não são o que costumavam ser. Deslizam uns para os outros, sobrepõem-se, complementam-se, confraternizam-se, unem-se, separam-se e entrecruzam-se” (2001, p. 24). Ela diz que nessa era de comunicação móvel, todos testemunhamos o desaparecimento progressivo dos obstáculos materiais que até agora bloqueavam os fluxos dos signos e das trocas de informação.
            Percebe-se que alguns autores citados por Santaella tratam a idéia de troca de experiências não como algo recente, e sim como algo que acontece desde as expansões. A única diferença é que a facilidade de acesso a outros espaços facilita todo esse processo de mobilidade e que hoje, o espaço não pertence a um lugar, e sim a um não lugar, o ciberespaço. Hoje a comunicação está cada vez menos confinada a lugares fixos, e novos modelos de telecomunicação têm produzido transmutações na estrutura da nossa concepção cotidiana do tempo, do espaço, dos modos de viver, aprender, agir, engajar-se, sentir, reviravoltas na nossa afetividade, sensualidade, nas crenças que acalentamos e nas emoções que nos assomam.
            Todos esses processos são conseqüências das novas tecnologias, que grudam a pele e trazem o conceito de pós-humano. A invasão dos corpos – por implantes, cirurgias plásticas, alterações genéticas – e da mente – interfaces, inteligência artificial, neuroquímica – é característica do movimento dos ciberpunks – um tipo de ficção que surgiu em meados dos anos 90, quando a internet estava surgindo e a simbiose entre os seres humanos e as máquinas apenas se insinuava; fascinados pelas interzonas. “As tecnologias ciberpunk são flexíveis, plásticas, comuns, sempre alojadas com segurança no corpo humano [...] Essa biologização da tecnologia permite aos ciberpunks conceber as tecnologias da comunicação [...] como componentes fundamentais da biosfera (Santaella, 2007, p. 36).
            Acredito que a definição do pós-humano, para Santaella, consista justamente na extensão do corpo humano a partir das tecnologias. E reivindicar a existência de corpos pós-humanos significa deslocar, tirar do lugar, as velhas identidades e orientações hierárquicas, patriarcais, centradas em valores masculinos, por isso o interesse das feministas nas tecnologias políticas do corpo, segundo Santaella. Ela diz que o termo pós-humano vai além da mera caracterização dos corpos, e que corpos pós-humanos assim o são chamados pela falha necessária e lastimável de se imaginar o que vem a seguir.
            Ela coloca, finalmente que “pós-humano é justamente o cruzamento da descoberta freudiana, no universo humano, com o seu lado do avesso que se encontra nessas descobertas nas ciências naturais. Do mesmo modo que o humano não é só humano – ele também tem algo de inumano –, aquilo que chamamos de “inorgânico” tem algo similar ao humano. A tendência para a ordem, a tendência regenerativa, a tendência para a vida, que pensávamos ser um privilégio biológico, também existe na natureza física” (Santaella, 2007, p. 54). E como última definição para o pós-humano, Santaella o coloca como uma realidade híbrida não apenas do humano com as tecnologias, mas também do humano com o inorgânico da natureza, e conclui que esse conceito trata de um ser miscigenado e hipercomplexo que está emergindo.

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